Aviso: este post pode vir a soar arrogante, não como propósito inicial, mas como efeito colateral do assunto e da minha visão peculiar de mundo. Nâo há aqui profundo embasamento científico, este post é opinião (como quase tudo neste blog).
Tudo começou a um tempo atrás na ilha do sol. Não, péra. Tudo começou com o post de um amigo no Facebook, sobre a dificuldade de se entender arte. É uma argumentação longa e ainda incompleta, quatro partes por ora (links no fim do post). Não me lembro há quanto tempo eu não lia algo assim que me fizesse pensar e colocar para funcionar todas as caraminholas da minha bagagem teórica de humanas. Acho que a última vez tinha sido no Orkut, quando as comunidades ainda eram um local para se debater ideias e não somente nomes divertidos que soavam bem no perfil cujo recheio de restringia a “beija ou passa”.
Essa internet do início dos anos 2000 era outra coisa, de argumentos longos e elaborados que enriqueciam e acalentavam as ideias. Antes de Orkut, quando isso tudo era mato, haviam os fóruns de discussão por e-mail, onde se proliferavam grupos de pessoas sedentas por debates de ideias em busca de sintonias e interesses semelhantes, coisas que na minha cabeça são os princípios sobre os quais se ergueram as redes sociais, cujo conteúdo hoje é dissonante do que efetivamente poderia me acrescentar algo, pela leviana priorização de minhas interações sociais. Enfim, divago por nostalgia sem propósito. O objetivo deste post é falar de arte. Mais especificamente artes plásticas, aquele recheio de museus e galerias (guardemos os comentários pejorativos para daqui a pouco).
Eu não sou artista. Tenho algumas páginas de contos engavetados e alguns poemas porcos que podem ser classificados como expressões artísticas por pessoas mais gentis que eu. Se nem pra escritora sirvo, quando o assunto é arte eu me compreendo como plateia. Uma plateia muito exigente, porém ainda plateia. Diante de uma conversa responsável sobre arte, estou mais próxima de analisar os fenômenos relacionados ao comportamento de massa e indústria cultural do que capaz de discutir arte. Mas a questão toda aqui é que as ideias do Lucas me deixaram com uma coceirinha mental sobre a qual eu preciso escrever para digerir. Pois que este blog é muito mais recheado de ideias que me incomodam do que me agradam.
Repetindo aqui os passos iniciais da análise do Lucas, arte originalmente tem associação de técnica precisa, com propósito de oferecer um retrato da realidade. No entanto, quero fazer uma breve pausa para plantar a semente da discórdia com questionamentos mínimos a respeito do quanto a arte comercial da idade média, que hoje se celebra como clássica nos museus, efetivamente mostrava as pessoas como realmente eram: me reservo o direito de suspeitar que os retratos de nobres por muitas vezes “aprimoram” a realidade, com base em inúmeros boatos a respeito da beleza e do porte físico dos personagens retratados (além da minha eterna desconfiança a respeito da veracidade dado o conhecimento que se tem hoje sobre a higiene daquela época, ou trocando em miúdos, nem a pau que aquele bando de porcos tinham aqueles cabelos mesmo, era tudo peruca, isso sim). Enfim, divago novamente.
Arte era fidelidade com a realidade, mas quanto mais a tecnologia promoveu ferramentas para replicar a realidade com perfeição, mais arte se tornou expressão. Pois que a partir do momento que arte se torna expressão, é expressão de quê? De uma determinada visão de mundo, creio eu. E seu valor passou a ser mensurado com base na apreciação de distintas classes sociais (aquelas capazes de comprá-las). Foi o tempo, a evolução da sociedade e a opinião de “pessoas de valor” (sejam os donos do dinheiro ou os críticos de arte) que tornaram arte algo mais. Sobre este algo mais cabe escrutínio que gente demais se dedica a fazer, com muito mais embasamento e conhecimento do que eu disponho.
A imagem que ilustra este post faz parte do acervo do MASP, chama-se Diana Adormecida e é uma das minhas obras de arte favoritas. Eu me interessei por arte, mas isso não é um conceito baseado em compreensão, arte pra mim é emocional. Eu gosto da perfeição do mármore (um dia o segurança do MASP se distrai e eu meto a mão na Diana, sou apaixonada pela perfeição dos pés e da sandália). Eu gosto de apreciar a técnica, eu fico impressionada com os detalhes, eu amo analisar a sutileza das cores necessária para criar condições realistas de luz. Isso é como arte faz com que eu me sinta. Isso é a minha relação com a arte.
Eu acredito que arte deve ter intenção, efeito e que, sim, tem um papel social. Quando olhamos para trás na história, é a arte que nos permite interpretar períodos, através da percepção do que aquela época compreendia como belo, como chocante, como ideal físico e comportamental, como prioridade de expressão. Em contrapartida, também precisamos de contexto para compreender esta arte. Se não há um conhecimento sobre o que era aquela sociedade, não é possível compreender uma obra de arte (um quadro ou escultura) como coerente, adequado, subversivo. Contexto histórico é necessário para compreender arte. Isto posto, também não se pode ignorar a responsabilidade da arte contemporânea em estabelecer recortes plausíveis de nosso presente para uma percepção responsável no futuro.
Mas afinal, arte é pra quem? Serve pra quê? Vale quanto? Esta semana teve um bafafá sobre uma obra apócrifa de Da Vinci batendo recorde de valor em leilão, 1,5 bilhão. Isso está muito longe da realidade da maior parte das pessoas, um número tão obsceno não faz o menor sentido. Serve apenas como termômetro da arrogância artística de uma parte da sociedade, definindo como extremamente valioso aquilo que não traz nada de novo ao que já conhecemos como arte, como expressão do período, como obra de Da Vinci (e eu definitivamente não acho que seja uma obra de arte bonita). Mas como bem disse meu amigo na sequência de posts, parece que Da Vinci tinha um certo toque de Midas, aquilo que nem temos certeza se é obra dele bate recordes financeiros.
Diante desse blá-blá-blá todo, será mesmo que está certo em pleno 2017 acharmos que é uma pena que as pessoas não frequentam museus e galerias? Será que não deveríamos ser menos babacas ao reclamar dos museus vazios e micaretas cheias, quando a arte não tem hoje qualquer proximidade com a sociedade? Não é muito mimimi burguês? Eu dou conta de referências mínimas de conhecimento histórico e referências sociais para compreender arte, mas isso tem a ver com a minha origem social e educação, eu não seria uma boa pessoa se estivesse aqui reclamando da alienação das pessoas, quando de fato isso diz respeito a referência e principalmente interesse.
Obras de arte, sejam antigas ou contemporâneas, tem algum propósito real além da apreciação? Se você não acha bonito, não admira, não preza e não se importa com o contexto histórico ao qual uma obra de arte pertence, será mesmo que cabe alguma problematização?
O que eu vejo hoje é um universo de obras de arte antigas que não despertam interesse na maior parte da sociedade porque na formação educacional a maneira como o conhecimento sobre arte é transmitido é completamente chata, sejamos honestos. Minha professora de História da Arte da faculdade conseguia me deixar completamente entediada diante de artistas e obras que eu amo muito. Se isso acontece no nível superior dentro de um conhecimento específico, que dirá o pouco contato que temos com arte ao longo do ensino de história na formação básica. (Breve pausa para agradecer a Giovanni Baptista, que utilizou movimentos artísticos para contextualizar e transmitir todo o conteúdo da disciplina Realidade Sócio-econômica, Política e Cultural Brasileira e provar que a professora de História da Arte era muito ruim mesmo).
Já quando o assunto é arte contemporânea, meu senhor, que preguiça! Tudo é conceitual e, dado seu parco comprometimento com a representação da realidade, tudo é expressão. E quando tudo é expressão, será mesmo que é difícil compreender arte? Acho que essa lógica está toda ao contrário, arte que não consegue se comunicar com a sociedade que representa é arte alienada e sendo alienada, deveria mesmo achar que a culpa é de uma sociedade que não a compreende? Eu acho que esta arte contemporânea é arrogante, burguesa, elitista, que valoriza a si mesma justamente através do afastamento da sociedade. Grosso modo, acho arte contemporânea um desserviço ao seu papel social. E na maior parte das vezes, feia, estranha, como se fosse produzida muito mais para incomodar do que para ser apreciada. Não entendo isso, não se integra com a sociedade, não é acessível e não é bela. Já não vivemos mais tempos em que Guernica serve como desaforo a um oficial alemão (toda feiosa, mas ao menos tinha propósito de consciência social).
Eu amo obras de arte com cores luminosas. Aos sábados sempre tem uma galera vendendo quadros nas calçadas da região em que moro. Tem um cara que produz quadros que eu amo, outro dia quase comprei esse quadro (pensei duas vezes e ando me arrependendo desde então). Não sei o nome do artista, não é alguém especial, é só um cara que tenta viver de arte, provavelmente luta muito para conseguir pagar as contas e não deve ter sido exposto em museu ou galeria até hoje. Talvez nunca consiga na vida por falta de conexões certas que o leve aos meios eruditos daqueles que definem o valor da arte. Pra mim o que ele faz é arte e eu acho lindo. Tenho é pena daqueles entendidos de arte cuja apreciação depende de tantas referências e um discurso tão arrogante que deveria usar monóculo e usar suspensórios.
Arte não precisa ser compreendida, arte só precisa ser apreciada. Eu espero que um dia seja apreciada por muito mais pessoas.
p.s. vou atualizar aqui conforme o Lucas atualize os posts, as análises que ele está passando são bem diferentes do que coloquei aqui e de forma alguma lógicas inválidas, pelo contrário, eu tô achando sensacional. Seguem os links:
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