Lomyne's in tha house

Já não sou mais tão jovem para ter tantas certezas.

Sobre algumas horas na livraria

Eu acabei de voltar da livraria, quero conversar. Faz quanto tempo que você não entra em uma livraria? Eu já fui uma traça, os joguinhos no smartphone acabaram com esse vício de ficar comprando livros, mas ainda mantenho um forte amor e ainda levo horas lá dentro. A tarefa de hoje era simples: gastar um vale presente de aniversário. Ou melhor dizendo, parecia tarefa simples, mas foi cheia de questionamentos e rabugices, além de um breve momento fofo.

Episódio 1: Seleção de presentes do dia dos pais

Pelo que eu pude perceber, os pais de hoje só podem estar lendo uma de duas coisas: livros sobre artistas dos anos 70/80 e livros de auto-ajuda. Fora a pancada que foi aceitar que gostar de Renato Russo é “coisa de pai”, ainda estou tentando lidar com o fato de que a seção deles está repleta de livros para te tornar bem-sucedida, ficar pronta para um novo amor e ser bem-resolvida. Sim, tudo no feminino, eu deveria ter tirado foto! Pela minha capacidade de interpretação, quem está comprando presente de dias dos pais são as balzacas infelizes. Não tá certo isso, não é possível.

Episódio 2: Por que certas coisas estão em destaque?

Tem 2 tipos de exposição na livraria: as coisas em destaque com a capa pra frente (com ou sem pedestal) e as lombadas atulhadas que é pra quem sabe o que está fazendo. Tirando a auto-ajuda feminina que domina até as prateleiras do dia dos pais, duas categorias dominam os destaques: livros de filmes e livros de pessoas famosas de outras mídias. E aí eu te pergunto: sério que isso é o que tem maior interesse de compra? Os livros dos filmes que você já viu? Ou os livros daquelas pessoas que você lê na internet ou do comentarista da Fátima Bernardes? E pra conseguiur vender essas coisas precisamos mesmo de imagens das celebridades? O que diabos é isso de uma foto imensa no autor na capa? Tá pensando que é o Oscar Wilde? Não, Oscar Wilde não vende mais, deve estar precisando de um filme. Deixa pra lá.

Episódio 3: Para que serve ordem alfabética?

Pra quem não lembra ou não sabe, os livros nas seções são classificados pelos sobrenomes dos autores. Ou deveriam. Quando nada me chama atenção nos destaques, eu recorro aos meus autores favoritos, procurando pelas lombadas os nomes amados acima de tudo: Douglas Adams, Neil Gaiman, Arturo Pérez Reverte. Se esses caras escrevessem bula de remédio, seria do caralho. Eu procuro fazer isso sozinha porque eu não quero uma vendedora me empurrando nada (sacumé, vai ser auto-ajuda, ou livro de filme). Pra isso eu só precisava da ordem alfabética. Não estava disponível. Em uma bancada aleatória, achei um do Gaiman, em “destaque”. Mas sério, eles precisavam voltar a usar a ordem alfabética, já que os vendedores não ajudam mesmo.

Episódio 4: Uma historinha fofa

Na seção infanto-juvenil (que no caso foi onde achei o Neil Gaiman), encontro uma mulher discutindo com o filho sobre qual era o primeiro livro de Maze Runner. Sim, eu sei qual é e forneci conselhos gratuitos. A mãe me diz que ele tem 8 anos e não acha que seja pra idade dele. Eu, tia velha, respondo que ela deveria tentar alternativas, tento convencer o menino a olhar os quadrinhos, a ler Diário de um Banana, Crônicas de Nárnia, nada. E eu só pensando vai ser pesado, ele vai abandonar, nunca mais vai ler qualquer coisa que não venha pelo whatsapp. Perguntei pra ele porque ele queria tanto esse: pra colecionar. O menino gosta do filme, não quer nada novo. Não quer descobrir o mundo. Falei de escolher capas, de ler lombadas e contracapas, mas ele gosta do filme. A mãe me pergunta se eu sou pedagoga, agradece meu empenho e segue sua luta pra expandir os horizontes do filho. Ao menos descobri que tinha mais uma menina de 8 anos com ela, essa adorou minhas sugestões, levantou o dedo pra fazer perguntas, se interessou pelos contos, ficou abraçada com Destrua Este Diário. Uma criança vai expandir seus horizontes, a outra vai ficar na zona de conforto, colocar um livro na prateleira. Eu queria ter convencido os dois. Só consegui um. Alguém me ajude.

Grand finale: E você, hein?

O que você está lendo? Você compra livros? Você entra em sebos? Você doa livros? Você pega livros em caixas de trocas? Quando foi a última vez que você parou pra ler algo sem interrupções? Eu estou aqui reclamando do que eu vi hoje, mas a questão toda é que eu também não faço mais isso com a mesma frequência. Eu não estou com muita moral pra falar, só não gosto desse mundo em que o Raul é excêntrico:

Eu voltei pra casa com um Neil Gaiman e um Schopenhauer, mas sozinha não consigo mudar o mundo. A gente precisa mudar isso antes que a única coisa pra vender com R seja Nora Roberts.


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