Outro dia eu resolvi ajudar um cara. O busão quebrou e o que veio pra dar carona não era a mesma linha, um rapaz perdido precisava de ajuda pra reprogramar sua rota. Perguntei onde queria chegar, expliquei como fazer, corrigi as informações erradas que ele tinha, por uns 10 minutos bati papo.
Quase chegando no meu destino, meio descontextualizado, o rapaz comenta uma pequena notícia de expressão da sua cidade:
Você viu o cara que roubou linguiça lá em Matinhos? Aí pegaram ele, bateram nele, ele disse que roubou porque estava com fome. Teve até celebridade que foi pra lá e aí veio essa gente de humanas e o cara ganhou 30 mil porque roubou linguiça.
Eu tinha que descer, não dava tempo de entender a notícia estapafúrdia que ouvi, só senti o ódio me fervendo nessa história que mesmo sem saber de nada eu já emiti juízo de valor:
Com certeza ele não ganhou 30 mil porque roubou linguiça. Ele recebeu 30 mil porque alguém achou que tinha direito de bater e retaliar como quisesse, porque pessoas sem noção pensaram que são polícia, lei, juiz e carrasco. E inclusive violaram a lei. Ninguém tem o direito de bater em ninguém, não importa o motivo. E a propósito, eu sou de humanas.
Se ele pode cagar regra, eu posso também. Cheguei em casa quase bufando, chateada com essa história. Fui atrás da verdade, já que papo de busão tem a mesma credibilidade de grupo de WhatsApp: nenhuma.
Acontece que um idoso passando fome roubou pão e linguiça no mercado, foi agredido fisicamente pelos funcionários e mandado embora, segundo as notícias. Nada disso foi reportado à polícia.
Inicialmente, eu achava que o cara tinha recebido indenização pela agressão física, emocional, exposição do vídeo em redes sociais. Não foi o caso. Um vídeo que mostra as condições precárias de vida desse idoso viralizou e MC Mirella fez uma vaquinha de R$ 30 mil para ajudá-lo. Ultrapassou a meta com facilidade e foram R$ 65 mil arrecadados. Não sei se ele já recebeu.
Furto deveria ser punido? Sim. Teve queixa? Não. Agressão física por funcionários da loja deveria ser punida? Sim. Teve queixa? Não. O cara ganhou dinheiro porque roubou? Não.
Que espécie é essa que faz esse raciocínio estúpido de causa e efeito? Seja qual for, humano não é.
Ajudei alguém que precisava e fui embora me sentindo o mordomo do Tang: ele não merece. Faz parte, né? Eu jamais deixaria de ajudar. Porque percebo que, assim como o idoso, o rapaz no busão precisava de ajuda. Uma pena que ele não percebe. Quem sabe um dia. Quem sabe se ele conhecer a Isabel.
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