Lomyne's in tha house

Já não sou mais tão jovem para ter tantas certezas.

Isabel e os papos de almoço

Isabel e os papos de almoço

Ela vem a cada duas semanas. Por volta das oito e meia, Isabel chega retumbante. Enquanto tomo café ela me conta alguma história, pergunta algumas coisas e eu passo algumas instruções.

Isabel é conversadeira, às vezes me interrompe no trabalho, puxando algum assunto que eu respondo monossilábica. Conversamos mesmo no almoço. Falamos de notícias, do passado e do presente, às vezes do futuro. Quanto mais eu converso com a Isabel, mais incrível eu percebo que ela é.

A Isabel trabalha de diarista com familiares a muitos anos, conhece todo mundo. Um dia ela chegou contando que estava comprando mais uma casa, pro seu filho mais novo. Veio me agradecer porque fui eu que disse a ela que guardasse dinheiro. Dez anos depois, tem a casa dela e deu entrada em uma casa pra cada filho no Minha Casa, Minha Vida. Mora com o marido e alugou a casinha dela, paga as prestações com o rendimento do aluguel.

Desde esse papo da casa, eu passei a prestar mais atenção e quis saber mais da história dela.

Pelo que sei, a Isabel nasceu no interior, no norte do Paraná. Trabalhou na roça, estudou até a quarta série (quinto ano pra essa juventude aí). Não é um começo de vida fácil. Com muito esforço terminou o estudos com supletivo, bem mais velha. Isabel entende o valor da educação, fez todos os filhos concluírem o ensino médio com algum técnico, hoje vive preocupada com os netos.

Outro dia ela me contou orgulhosa da neta que está fazendo 14 anos, está correndo atrás de seu primeiro emprego como menor aprendiz e a menina já andou perguntando por quanto tempo ela precisa guardar R$ 100 por mês até comprar uma casa pra ela. Melhor que muito adulto.

Isabel passou um tempão tentando resolver documentos do trabalho dela na roça, está quase se aposentando, hoje mesmo falamos sobre pagar o carnê do INSS pra se aposentar. Isabel gosta de tudo muito correto e por vezes briga com muita gente por isso, desde a própria família até alguns “patrões”.

Ela é como tantos que vem de uma história de vida sofrida, mas tem algo de especial. Isabel adora aprender. Tem dias que isso me dá trabalho, como quando perguntou o que é direita, o que é esquerda e porque os dois são ruim. Foi um longo almoço.

Já se vão alguns anos que converso com ela sempre que posso. Porque Isabel gosta de aprender, Isabel me ensina. A cada conversa, preciso me readequar para escolher como falar, ensinar palavras, explicar como as coisas grandes do país e do mundo afetam a vida dela. Não é um exercício fácil, preciso sair da minha zona de conforto de linguagem, de meio social, de formação educacional.

O mais difícil mesmo é tentar explicar que o mundo não é binário como todo mundo quer fazer crer. Não é tudo preto ou branco, certo ou errado, bom ou ruim. Tem coisas que são boas e tem efeitos colaterais ruins, mesmo parecendo certo, pode dar errado e existe muita coisa cinza por aí. O que eu tento, em cada conversa, é dar subsídios pra Isabel construir suas opiniões. E o que eu vejo, nesses mais de 10 anos, é que ela tem conseguido. Nem sempre ela concorda comigo, mas isso não importa. Importa que são opiniões dela, embasadas, não ideias compradas.

No fundo do meu coração, eu sou de humanas. E tenho um orgulho bobo de achar que Isabel também é de humanas, não precisa de faculdade pra exercitar senso crítico. Isabel é uma pessoa melhor do que muita gente que eu conheço. Provavelmente, muito melhor que eu.

Moral da história: converse com pessoas com perspectivas sociais muito diferentes das suas. Mais ricos, mais pobres, outras cores, outras identidades de gênero. Ouça de verdade. Talvez você os ensine, talvez não. Com certeza, você vai aprender.


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Comentários

2 respostas para “Isabel e os papos de almoço”

  1. Avatar de Wilson Assen
    Wilson Assen

    lindo texto

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